domingo, 23 de dezembro de 2012

Arenas e a elitização do futebol

Maracanã com o povão lotando a geral: imagem que tende a virar memória
Por Gabriel Albuquerque

''Arena é o futuro do futebol. Não dá para lutar contra o futuro''. Essa foi a conclusão tomada na principal mesa redonda do rádio pernambucano. Times de diversos estados já entraram na corrida para construir suas arenas. Corrida que, após a Copa de 2014, deve tornar-se ainda mais frenética e desenfreada. A modernização é iminente. É, de fato, o futuro. E o time que não se planejar, não adotando os tais padrões internacionais, irá perder espaço no mercado do futebol nacional, que fica cada vez mais acirrado.

Tudo isso traz uma série de benefícios: instalações mais confortáveis e mais higiênicas, maior acessibilidade para deficientes físicos, amplos estacionamentos, entre outras melhorias. Entretanto a modernização dos estádios não é as mil maravilhas que imagina-se durante o clima de oba oba das novidades, e pode acelerar um processo que já começa a ganhar espaço no futebol brasileiro: a elitização.

Estádios superluxuosos, ingressos a preços absurdos e um ambiente exageradamente formal. As casas do futebol tendem a se tornar mais ''sofisticadas'' e a excluir o torcedor comum, o povo, que vai ao estádio com a mesma frequência com que vai ao teatro: três ou quatro vezes ao ano, como comentou recentemente o escritor inglês Nicky Hornby, autor de Febre de Bola e Alta Fidelidade.

Hoje, como uma problemática ainda não estabelecida por completo, a elitização não preocupa tanto. Mas, se implantada, fará o futebol perder tudo aquilo que o torna tão belo, apaixonante e intrigante há quase um século: o contato com o povo e a emoção com que estes torcedores o recheiam. O esporte é popular por permitir naturalmente uma integração de grupos e classes sociais díspares. A vibração do estádio, a comemoração de um título e a frustração de um rebaixamento são sensações indescritíveis, que unem pessoas de modo como nenhum partido político ou religião jamais conseguiu fazer.

As arenas, claro, não são vilãs. Mas caso não sejam implantadas com cuidado, podem destruir a essência popular de um esporte que não faz distinção de raças ou classes, e transformá-lo em um espetáculo para milionários e suas Mulheres Ricas. O sangue, suor e lágrimas, a batalha dentro das quatro linhas, dariam lugar a um processo de domesticação e civilização sob medida para esse novo público. O futebol corre o risco de ser maquiado e transformar-se em um produto: limpinho e bonito, mas falso, sem emoção.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Falar de Caetano é foda



Por Gabriel Vilela

É amado. É odiado. Não tem preguiça. Não passa de um oportunista barato. Ele é criativo, está sempre na vanguarda. Ele já está ultrapassado, buscando prestígio em emular novidades já prontas. É um gênio da música popular brasileira. É um boçal, pernóstico, por vezes maligno. É a salvação. É o câncer. É deus. É diabo.

 É Caetano. E escrever sobre ele é difícil. Porque há razões para o odiá-lo muito. E há também razões para amar sua obra. É possível encontrar diversas falhas de caráter nele. Lobão que o diga. Mas também foi um dos líderes do Tropicalismo, movimento que subverteu conceitos antiquados à época e revolucionou a música nacional. Também sofreu e lutou contra a ditadura, chegando até a ficar exilado na Europa.

Entretanto, ao ouvir seu novo disco, me esforcei ao máximo para passar por alto todas estas discussões intermináveis que rodeiam o nome de Caetano, me concentrando apenas no som. O nome do álbum, Abraçaço, e a capa horrível não dão boa impressão. Porém, isso é trivial diante do conteúdo.

Começa muito bem com “A Bossa Nova é Foda”. Com um arranjo muito bem construído, Caetano consegue unir diversas referências (como UFC e Noel Rosa) numa letra bem interessante. "Estou Triste" comove. O verso "estou triste, tão triste / e o lugar mais frio do Rio é o meu quarto" é marcante.

Merece bastante destaque também a canção "Funk Melódico". Faz algum tempo que Caetano vem interessado no funk carioca. O disco mais recente de Gal Costa, produzido por ele, é prova disso. Nessa canção, o ritmo da periferia é bem aproveitado, variações são colocadas, tudo para conduzir uma letra bem "caetânica".

Todavia, o grande destaque vai para "Um Comunista". Nela, Carlos Marighella, um dos maiores comunistas da história do país, morto numa emboscada durante o regime militar, é belamente homenageado. Com melodia pungente e densa, emociona.

"O Império da Lei" é uma boa canção, apesar da ligação tendenciosa com o Pará, que é o hype da vez. Afinal, estamos falando de Caetano Veloso. "Parabéns" é o destaque negativo. É enfadonha, plástica, fake.

É um disco que agrada. A banda Cê merece ser parabenizada pelo bom trabalho. Tem ótimos momentos, e apesar de algumas falhas, ainda é melhor do que muita coisa feita por gente mais nova. Complicada ainda é a tarefa de decifrar Caetano. É foda.


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Pelo fim dos Stones


Por Gabriel Albuquerque

No último sábado (15/12), o Multishow transmitiu o último show da aguardada turnê comemorativa de 50 anos dos Rolling Stones. A apresentação em Nova Jersey, Estados Unidos, só confirmou: é a hora e a vez dos Stones se despedirem dos palcos.

Há décadas a banda cedeu e conformou-se com o esquema de gravar discos razoáveis, coletâneas com os antigos clássicos mais algumas músicas novas para garantir boas vendas e o mesmo show repetitivo e acomodado, com as mesmas músicas de sempre.

O show do sábado revelou um Rolling Stones apático, cansado e sem química. Uma fera amansada com o passar dos anos. ''Paint It Black'' foi tão asséptica e sem força que nem parecia a música que embrulhou a década de 1960 com um laço negro e cristalizou o fim do sonho hippie. ''Wild Horses'', dedicada às crianças vítimas do tiroteio numa escola americana, foi permeada por clima de romatismo barato de cantores de barzinho.

Além disso, a banda não se dá bem. Em sua autobiografia Vida, Keith Richards deixou claro que a sua relação com Mick Jagger já não envolve amizade, chamando de ''insuportável'' e dizendo: ''eu adorava Mick, mas já não vou ao camarim dele há 20 anos''. No ano passado, em meio às especulações se haveria ou não uma tour de aniversário, o vocalista chegou a afirmar que o guitarrista não poderia ir a uma possível comemoração dos 50 anos da banda, e revelou que há conflitos de ego no grupo.

Tudo isso é refletido no palco: não há entrosamento entre a banda, que, sem gás, precisou recorrer a diversos convidados para injetar ânimo à apresentação, como o fez Bruce Springsteen em ''Tumbling Dice'' e Lady Gaga em ''Gimme Shelter'' - uma aparição aberrante, com a cantora fazendo o maior estardalhaço possível, com gritos e mais gritos desnessários mas que trouxeram uma energia que até o momento os Stones não conseguiram emplacar sozinhos.

A empresa que a banda se tornou é uma grande mancha na história de um dos maiores grupos da história do rock. Aos poucos os Rolling Stones vão destruindo a si próprios. Não há motivos para continuar. O mais sensato seria despedir-se dos palcos e pendurar as guitarras enquanto estão por cima.

A hora de uma despedida já passou. É tarde, sim, mas não tarde demais. Ainda.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Quarentões do punk ainda esbanjam energia


Por Gabriel Albuquerque

A tática de reunir-se em torno de um ''supergrupo'' já é bastante utilizada entre velhos músicos consagrados que estão fora dos holofotes e precisam arrecadar uma grana para a aposentadoria. Liderado pelo vocalista Keith Morris (ex-Black Flag e ex-Circle Jerks), o OFF! seria enquadrado nessa categoria se não fosse pelo fato de que a qualidade não depende dos currículos de seus integrantes.

A banda de Los Angeles foi formada em 2009, mas efetivou-se esse ano, com o lançamento de seu primeiro ''full length'': o sensacional OFF!. Com 16 músicas em 16 minutos, o disco tem o melhor do punk e do hardcore californiano, sob uma produção crua que deixa transparecer todo o peso, força e energia do som, gravado praticamente ao vivo. Curto e grosso. É uma espécie de Kick Out The Jams em meio à um cenário onde reinam guitarras de plástico e gravações entupidas de overdubs. Espontaneidade e força ao lado de melodias dinâmicas que arrasam com qualquer rock pausterizado e pop punk diluído.

Da faixa inicial ''Wiped Out'' ao encerramento com ''I Need One (I Got One)'', o que se tem é uma sucessão de pauladas que transitam entre o punk e o hardcore. Tudo isso feito por mãos de quarentões pais de família já experientes na arte do barulho, que dão uma aula de rock à bandinhas indies aguadas. É música pesada da mais alta qualidade e executada com espontaneidade, sem truques, sem frescuras. Impossível ficar indiferente. Afinal de contas, já dizia John Lydon, a raiva é uma energia.